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Meio milhão

Nosso país atingiu, no último final de semana, uma marca desoladora e cruel, um número que é um choque e mostra quão fundo é o abismo em que estamos mergulhando com a Covid-19. Meio milhão de mortos. A cada 425 brasileiros, um foi levado pela pandemia, de forma solitária, longe de quem se ama. Em números reais seriam quase três Boeings 747 - segundo maior avião do mundo que leva 410 passageiros - caindo por dia no Brasil, sem nenhum sobrevivente.

Tragicamente, mais de 500 mil se foram e deixaram famílias despedaçadas, projetos à deriva, esperanças sufocadas, potenciais perdidos. Meio milhão de mortes é extremamente perturbador. Meio milhão de mortes é mais do que a população inteira da grande maioria das cidades brasileiras.

 É inimaginável pensar nesses números de forma absoluta. Hoje, já são 505 mil, logo 510 mil. Seguiremos essa contagem monstruosa que dilacera quem tem um coração. Porém, essa contagem começou antes mesmo do primeiro óbito. Era sabido que enfrentaríamos uma perda significativa da nossa população. A questão principal era minimizar ao máximo as vidas perdidas, minimizar ao máximo a circulação do vírus e maximizar em todas as potências a vacinação. Não foi isso que fizemos.

O mínimo esperado era que o combate a Covid fosse a meta número 1. Ora, se não por humanidade, por inteligência, já que a vida financeira de qualquer nação depende de uma cadeia produtiva que se viu paralisada por uma crise sanitária, assim cuidar da saúde é cuidar da economia, ambas, durante a pandemia, são indissolúveis.

Nosso Brasil caminhou na contramão do que era extremamente necessário ser feito. Não temos um plano nacional de combate a Covid. Não temos, até hoje, um plano nacional de imunização. Não temos, até agora, um plano nacional de recuperação econômica que, mais do nunca, deveria estar em pauta.

Temos que parar com essa falácia de que a competência foi transferida aos Estados e municípios. Ela não foi transferida, foi compartilhada. Não existe nenhuma determinação legal que impeça qualquer medida de enfrentamento a Covid. Repito: nenhuma. O que se proibiu foi exatamente o oposto. Foram proibidas medidas que eram consideradas contrárias ao enfrentamento. Combater a Covid no Brasil não é uma opção. Continua sendo obrigação.

Outro aspecto importante diz respeito às transferências obrigatórias, tema próprio do federalismo financeiro. É inegável que a União transferiu recursos aos Estados e municípios, bem como adiou o recebimento de seus créditos, decorrentes da dívida pública que estes possuem com aquele, o que foi formalizado pela Lei Complementar 173/20. Fica a questão: tratava-se de uma transferência obrigatória ou voluntária?

Não se trata de um aspecto de menor importância. Esse conceito faz toda a diferença. Se for considerada como obrigatória, a União apenas cumpriu a lei, sem nenhum voluntarismo. O Tribunal de Contas da União (TCU) entendeu que esses recursos são obrigação incondicional da União para concretizar os objetivos da Emenda Constitucional 106/20. Logo, são transferências obrigatórias sem caráter de voluntarismo. Ou seja, foi apenas cumprida a lei.

Precisamos de mais, de muito mais. Não são os números que estão aumentando. Banalizar vidas em números causa repulsa. São as vidas perdidas que estão aumentando. São as dores dos familiares que estão se multiplicando. Antes tarde que nunca! Vamos começar pela consciência de cada um de nós para que possamos cobrar dos nossos representantes. O voto não é um cheque em branco. A prioridade é o combate à pandemia, repito, se não por humanidade, que seja por inteligência.

Texto: Juliane Müller Korb
Advogada

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